Este ano prometia. As chuvas abundantes tinham deixado as oliveiras cobertas de flor. Tive a certeza quando o Fernando, aquele de Seiça, me disse: este ano vai ser de muita azeitona. O Verão acabou cedo e confirmou-se. As árvores estavam repletas de bolinhas cheias. Lá por baixo diziam que estavam todas picadas pela mosca mas por aqui, o frio e o isolamento ofereciam algumas vantagens. Eram muitas e adiantadas. É melhor reservar o meu lugar no lagar para poder ir passar o Natal ao Montijo descansado. Melhor, vou reservarem em dois lagares, não vá o diabo tecê-las. Antes do início da colheita um deles já estava fechado devido a uma avaria, e sendo a minha reserva no dia 24 de Dezembro, este já estava descartado. Nessa altura surgiu um convite, de um tal que se aclama Bigodes mas passa mais tempo de suiças, para ajudar a sua família na apanha da azeitona. Não só me ajudou a olhar em frente como também aprendi que apanhar a azeitona com vara é uma solução bem razoável, quando já não se tem medo de magoar as árvores. Tinha prometido que não voltava a apanhar a azeitona sem companhia, e lá estava sozinho. Que não a voltava a apanhar sem uma máquina, e lá estava eu com varas. Comecei timidamente a apanhar 15 quilos por dia mas fui-me apercebendo que me ia sentindo bem ao fazê-lo, mesmo sem andar empoleirado nas árvores. Por vezes é necessário limpar umas silvas, outras, ter criatividade na colocação dos tapetes para que esteja tudo preparado para o acto de apanhar. O dias vão passando e arranjo mais umas oliveiras que o meu vizinho Joaquim já não vai apanhar, como seria de esperar, não fossem tantas árvores para ossos tão envelhecidos. Não só os do Joaquim, que até parecem bons, mas de todo um interior rural. Um reconhecimento do terreno, uma limpeza à volta das árvores que justificam e o iniciar. A dona Luísa ofereceu-me a sua ajuda e a felicidade que senti não seria apenas a da sua companhia mas também a de constatar que afinal o karma funciona. Também me emprestou um crivo para a separação das folhas que há tanto desejava. Com o aproximar-se da noite, arruma-se tudo na carrinha e regressa-se. Coloco a lanterna na testa e esvazio um dos baldes na cabeça do crivo, coloco o balde no fim do escorrega do crivo e solto as azeitonas lentamente para poder interceptar as que ainda têm folhas ou ramos. Já só se vê a lua e as estrelas. Está na hora de aquecer a casa e a água para o duche. Passadas quase duas semanas, já tinha a azeitona dos últimos dias ensacada e a restante dentro de água. Com a ajuda de um balde perfurado, separei-a da água e ensaquei-a. Algo entre 500 e 600 quilos que a minha carrinha não poderia levar de uma só vez. Antes de a carregar ligo para o lagar. Também estavam fechados. Desculpa: Avaria. Rumores: Asae. É dia 20. Como é que vou arranjar um lagar que me faça o azeite em 4 dias e sem marcação? Impossível. Volto a colocar toda a azeitona na água, e depois de um mês no Montijo voltarei para o fazer. As opiniões sobre o estar na água dividem-se. Uns dizem que aguentam 3 meses, outros dizem que é preferível em sacos bem fechados. De qualquer forma, o único lagar aqui da zona que ainda estaria aberto no final de Janeiro seria um moderno em Santo Estevão que cobra 14 cêntimos por quilo de azeitona, mais que os outros. Já não houve mais percalços. 557 quilos de azeitona e à medida que os quilos de azeite subiam na balança, os meus olhos brilhavam. Quando até aqui a minha melhor marca tinha sido 1 litro de azeite por 8 quilos de azeitona, este ano tinha conseguido por 6 quilos. Sem demonstrar, estava extasiado por dentro, como da marcação de um golo se tratasse. Nem os garrafões que tinha levado eram suficientes. Acredito que estes resultados se devem ao facto de as ter colhido mais maduras que o normal. A confirmar. Mas estou optimista.